Conteúdo atualizado a 09/01/2024
Professor Doutor Fernando Lopes é o meu entrevistado de hoje, numa conversa informal sobre a fronteira legal das finanças descentralizadas. Como investir em cripto respeitando a legislação brasileira, os desafios legais que o DeFi enfrentará, e conselhos jurídicos para jovens investidores são alguns dos temas abordados. Terminaremos com uma “perguntas flash” bem divertidas e nunca antes colocadas a um advogado.
Advogado especialista em DeFi, programador e coautor de O Guia Jurídico da Tokenização, Fernando Lopes é “A Pessoa” certa para consultar sobre questões legais que envolvem segurança cibernética voltada para o mercado cripto. Honrada pela participação do Professor Fernando, foi gratificante conduzir esse bate-papo com o especialista em advocacia cripto em uma matéria exclusiva para o BR Cryptos.
Tabela de Conteúdos
Sobre Criptomoedas e relação com as mesmas
Qual é o seu GIF, emoji ou meme favorito que representa a emoção de ganhar ou perder dinheiro com criptomoedas?
Pior que não me considero um sujeito emocional, ganhando ou perdendo dinheiro estou sempre com cara de paisagem.
Se você pudesse trocar de lugar com Satoshi Nakamoto por um dia, o que você faria? Como começou seu interesse pelas questões jurídicas envolvendo o bitcoin? Em algum momento você precisou se especializar em estudos sobre DeFi?
Em 2011 publiquei na Revista da Procuradoria Geral do Banco Central e na Revista de Direito da FGV o artigo chamado: Unidade na Diversidade: os fundamentos do Direito Cosmopolita e sua função no estabelecimento de uma moeda mundial, onde defendi, basicamente, que a criação de uma moeda não estatal que pudesse ser usada como moeda de reserva, no lugar do dólar ou outra de cunho estatal, seria o principal meio a ser utilizado para acabar com a pobreza e alcançar a paz mundial.
Este artigo, embora publicado em 2011, foi escrito por volta de 2008 em função da crise econômica mundial, a chamada crise do subprime. À época representava ainda no Brasil uma associação internacional voltada a discutir os benefícios de criação de uma moeda mundial, não necessariamente de reserva.
Porém, só tomei conhecimento do Bitcoin por volta de 2012 e quando descobri mais tarde todo o seu poder, inclusive como sistema de pagamentos, pensei: é isso que estávamos procurando! Desde então passei a me dedicar ao estudo do tema com a certeza de que não seria tempo perdido. Já o DeFi foi uma decorrência do estudo do Bitcoin, onde vi potencial para negociação de ativos mais complexos que o bitcoin, embora mantendo a ideia p2p, viabilizada por intermédio dos smartcontracts. O DeFi é um estudo necessário para quem quer programar contratos inteligentes, é onde estão as estruturas de smartcontracts mais avançadas.
“Comparar Bitcoin com dinheiro é como comparar um avião com um pássaro”, essa é uma frase memorável dita por você! Como você explicaria DeFi de forma simples para quem não entende sobre o assunto?
Na verdade, no artigo onde defendo a tese de que a criptomoeda bitcoin não pode ser objeto material do crime de lavagem de dinheiro, afirmo que comparar Bitcoin com dinheiro é ainda mais equivocado do que comparar um avião com um pássaro.
Sobre DeFi, trata-se de um mercado onde as instituições financeiras são substituídas por smartcontracts, de modo a permitir a negociação de ativos similares aos ativos financeiros tradicionais, mas também a criação de outros produtos, como os flashloans, exclusivos do mercado defi.
O uso de criptomoedas e tecnologia blockchain está crescendo em escala global, mas ainda há desafios de adoção dela no Brasil. Se sim, quais seriam esses desafios?
O principal desafio é a falta de investimento em educação financeira e tecnológica por parte do Estado. O Estado brasileiro tem tratado as criptomoedas e a blockchain como elementos meramente relacionados às novas formas de investimento, ignorando todo o seu potencial tecnológico, estratégico e organizacional, especialmente como meio de transformação e inclusão social. Isso explica, por exemplo, a escolha do Banco Central como regulador do mercado de ativos virtuais, que poderá ou não incluir as criptomoedas, a depender do contexto e da interpretação.
Numa entrevista para nosso Portal BR Cryptos, Áureo Ribeiro, deputado federal do Rio de Janeiro e autor da primeira iniciativa de regulação do mercado cripto no Brasil, afirma que o projeto de lei PL 4401/2021 (Nº Anterior: PL 2303/2015) vai atrair investidores para o mercado. Você concorda com isso?
Não concordo. Primeiro porque não considero que esse projeto seja um projeto cripto, dado que o conceito elementar nele é o de ativo virtual, conceito inespecífico importado do Financial Action Task Force, que pode ou não incluir criptoativos, mas também outras formas de representação de valor negociadas ou transferidas por meios eletrônicos e utilizadas para realização de pagamentos ou com propósito de investimento.
O projeto basicamente serve para atribuir novas competências ao Banco Central, conforme proposto inicialmente pelo até então Deputado Alexandre Frota. Diferente é o caso do projeto europeu, conhecido como Mica (Markets in Crypto Assets), onde há de fato uma regulamentação do mercado de criptoativos, incluindo uma definição destes. As diferenças entre os projetos abordo de modo específico no livro recente que acabo de lançar com minha sócia, Marcella Zorzo, chamado “O Guia Jurídico da Tokenização.
Sobre educação e acesso a criptoativos
A acessibilidade é um fator importante para que mais pessoas se interessem por criptomoedas. Que iniciativas ou estratégias você considera relevantes para tornar o acesso e a compra de criptomoedas mais simples e inclusivos no mercado cripto brasileiro?
Defendo a criação de um plano de educação financeira e tecnológica nas escolas públicas, de modo a capacitar os jovens a tratar adequadamente dessas novas realidades. Tecnicamente, a compra de criptomoedas ainda é algo extremamente arriscado, embora isso tenda a diminuir gradativamente com o desenvolvimento da tecnologia. Defendo uma atitude mais ativa do Estado, não como agente subordinado ao mercado, mas como fomentador de políticas públicas de inclusão financeira e tecnológica, sobretudo, educacionais.
Que setores você acha que terão mais a ganhar com a tecnologia blockchain aqui no Brasil?
Dado o panorama legal vigente, instaurado por meio da Lei 14.478/2022, certamente apenas o setor financeiro, ou os Bancos mais especificamente. A Lei praticamente proíbe no Brasil qualquer iniciativa relacionada ao uso da tecnologia blockchain, que não seja intermediada por uma instituição financeira. Há poucas exceções à regra, especialmente as constantes do inciso III do artigo 3º da Lei.
Trata-se de uma Lei que contou com forte apoio da Febraban. Infelizmente, no Brasil o setor produtivo não possui o mesmo nível de conhecimento que os Bancos possuem acerca do poder dessa tecnologia, especialmente quando a contextualizamos com o mercado DEFI. O agronegócio, por exemplo, teria muito a se beneficiar com a captação de recursos mais barata, caso tivéssemos adotado outra política.
De todo modo, em nosso escritório, Lopes e Zorzo Advogados, temos pesquisado inúmeras possibilidades interpretativas, de modo a mitigar os impactos negativos que a Lei poderá ter não apenas para o setor produtivo, mas para a inovação de modo geral.
O DeFi traz vantagens regulatórias e jurídicas. Faz sentido regulamentar o que foi criado para não ser regulado?
Faz sentido, mas dentro de outro paradigma. O DeFi elimina, by design, muitas das justificativas para existência das leis atuais. Por exemplo, se por um lado, um protocolo defi como o compound finance elimina o risco de custódia, presente no caso das corretoras centralizadas, por outro, é preciso entender como os smartcontracts são escritos.
A estipulação de padrões mínimos na codificação de smartcontracts, como o uso de comentários claros acima de cada função, ou da elaboração de documentação clara sobre os riscos, tal como proposto no âmbito da união europeia, me parece algo razoável. O que para mim não faz qualquer sentido é querer que o Banco Central regulamente as finanças descentralizadas. Isso já não dá certo desde a semântica envolvida.
Neste novo mundo que surge com as criptomoedas e as ferramentas DeFi, é possível falar em ética?
Sim. Em última instância tudo é um produto do ser humano, embora a inteligência artificial a cada dia se mostre mais assustadora. Porém, trata-se de uma ética muito limitada. A lógica filosófica por trás do Bitcoin e do DeFi é a lógica utilitarista, ou seja, tudo está baseado no custo e benefício. As pessoas atuam moralmente em benefício do protocolo, por causa dos benefícios, não porque amam Satoshi Nakamoto. Logo, é preciso verificar até que ponto a inclusão de outros princípios éticos não poderá significar a própria impossibilidade do uso da tecnologia. No âmbito da Ethereum, há o problema ético dos mevbots, por exemplo, e os flashbots são uma solução que não foge à lógica utilitarista.
Sobre temas jurídicos
Com mais de 15 artigos publicados sobre bitcoin e lavagem de dinheiro, como você vê o futuro das criptomoedas no Brasil?
Não são todos sobre Bitcoin e Lavagem de dinheiro, mas certamente sobre temas relacionados à economia, ao direito e à tecnologia. Eu não tenho qualquer dúvida de que o futuro é o de um uso cada vez maior, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Penso que estamos em um processo de reconstrução da economia global, onde o dinheiro estará longe de ser reduzido a papel ou a meros registros digitais em banco de dados centralizados.
O que seria mais arriscado para você, investir em criptomoedas ou não cumprir com as leis que regulam o mercado cripto?
Temos casos de grandes corretoras internacionais que mesmo desconsiderando as Leis aplicáveis ao sistema financeiro foram chamadas a contribuir com a criação da Lei 14.478/2022. Logo, no Brasil sempre é muito difícil fazer juízos sobre aspectos institucionais. Mas, sempre penso que o melhor é cumprir as Leis e investir apenas quando se está absolutamente certo acerca dos riscos envolvidos.
A educação na área jurídica é essencial para qualquer pessoa que deseja investir em criptomoedas. Como você enxerga a importância de compartilhar gratuitamente informações jurídicas em seus conteúdos?
Infelizmente dado a complexidade das estruturas institucionais, a palavra final sempre deverá vir de um advogado, inscrito na OAB. Porém, o conhecimento sobre aspectos básicos da legislação, tende a contribuir para que o cidadão entenda melhor o porquê de sempre buscar assessoria jurídica antes de criar um projeto na área ou até mesmo de investir.
Por falar em compartilhar informações, para além do seu livro O Guia Jurídico da Tokenização (altamente recomendado!), onde um jovem investidor pode buscar informações para comprar e vender ativos digitais de forma legal e segura no Brasil?
Não há certamente muitos advogados especializados na área, mas eu destaco aqui alguns colegas que eu sei que já pesquisam o assunto há algum tempo e que também produzem conteúdo com viés educacional como o Isac Costa, Dayana Uhdre, Caio Sanas, Victor Valente, Ícaro Avelar, Tatiana Revoredo, e claro, minha sócia Marcella Zorzo, coautora do nosso livro. É possível que ao pesquisar a opinião de cada um destes, os resultados nem sempre sejam consonantes, dado que o direito é sempre um produto da interpretação, o que reforça o entendimento de que nada substitui a contratação de um advogado para atuação no caso concreto.
O que podemos esperar da legislação no Brasil recentemente aprovada? O que podemos aprender com os EUA em matéria de legislação de criptoativos?
Eu não gosto de comparar o Brasil com os Estados Unidos em matéria de legislação a começar pelo fato de que lá a tradição jurídica é a do common law em oposição à nossa que é do civil law. A diferença cultural também é gritante. Inclusive, em 2018 escrevi artigo sobre a regulamentação dos criptoativos nos Estados Unidos, recomendando que o Brasil não importasse o modelo deles.
Por outro lado, penso que temos muito a aprender com o modelo adotado na União Europeia, mesmo porque somos muito influenciados pelo Direito Europeu. A ideia básica consiste em diferenciar criptoativos que representem ativos financeiros ou valores mobiliários , o quais já são regulamentados, dos demais, visto que os riscos são diversos.
No Brasil, não foi feita essa distinção, dado que todo ativo virtual passa a ser considerado ativo financeiro, sob pena de violação à LEI Nº 4.595, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1964., considerando que o Banco Central não possui competência para regulamentar a oferta de ativos não financeiros.
Mesmo assim, entendo que a Lei 14.478/2022 é inconstitucional por inserir modificações na estrutura do sistema financeiro nacional sem respeito ao princípio da reserva de Lei complementar. Especifiquei essa questão em artigo publicado no portal jurídico Jota.
Para terminar, se eu falar Drex, o que passa em sua mente?
Trecho do projeto piloto onde o Banco Central fala em minimizar o risco da desintermediação financeira, ou seja, o objetivo é o uso de tecnologias que deram certo em ambientes descentralizados para fortalecer a intermediação. Não sei se isso dará certo, mas é uma forma de o Estado fortalecer as instituições financeiras, visando torná-las competitivas frente ao DEFI: Se dará certo, aí já é outra questão.
Perguntas Flash
Qual foi o momento mais estranho ou inusitado que você já presenciou no mundo das criptomoedas?
Foi quando a Solana saiu do ar. Há um mito de que o mero uso de blockchain é suficiente para garantir a imutabilidade dos dados, dentre outras propriedades, sem que se considere os atributos da rede, como a quantidade de nós e sua efetiva descentralização, ou distribuição, termo este preferido por Carl Amorim.
Se as criptomoedas fossem personagens de desenhos animados, quais personagens você imagina que elas seriam?
Eu acho que já estou velho e se eu for dizer algum personagem da minha época, os leitores jovens não saberão do que se trata!
Se você pudesse desenvolver uma criptomoeda com base em um meme popular, qual seria esse meme e como esse projeto poderia ser criado?
Prefiro não responder esta, porque vai que o Elon Musk lê esta entrevista e resolve endossar outra dogecoin. Já basta uma.
Atribuiria os créditos da criação do Bitcoin ao Nick Szabo, isso se este não for o Satoshi Nakamoto.
Se você pudesse resumir todo o universo das criptomoedas em um único emoji, qual emoji você escolheria e por quê?
Liberdade. As criptomoedas fizeram a gente refletir sobre liberdade e mais do que isso: sobre a responsabilidade que vem com a liberdade. Muitos não querem ser livres, porque não desejam o ônus de arcar com as responsabilidades.
Por fim, você investe em criptomoedas? Quais?
Investimento mesmo só Bitcoin.